quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." (Livro dos Conselhos)

Ontem, durante todo o dia e apesar de concentrados (ou talvez por isso mesmo) no dever de transformar o 1º de Maio num grande protesto contra o desemprego e o empobrecimento, fomos sendo surpreendidos pelas notícias, mais ou menos, chocantes sobre o estranho fenómeno desencadeado pela desonesta campanha da cadeia Pingo Doce. Sobre a imoralidade da estratégia comercial já muito foi dito, o oportunismo sem escrúpulos só veio confirmar aquilo que sabíamos acerca da empresa e dos seus gestores. A pronta intervenção das forças policiais e o silêncio dos responsáveis políticos mostraram os descaminhos da nossa Democracia.
Tudo o que de pior pode emergir no comportamento humano em tempo de tensão social e de dificuldades económicas, foi observado no grotesco dos quadros  das reportagens que nos foram chegando. Aqueles que aos olhos da empresa perderam há muito a condição de humanos e são agora classificados como consumidores dividiram-se em dois grupos que se comportaram à altura das expectativas dos arquitectos da campanha: de um lado a lascívia da ostentação consumista dos que ainda possuem dinheiro, do outro, os cálculos dolorosos de quem não  sabe já como aguentar o mês inteiro fintando a fome. A luta foi feroz e a selecção darwiniana acabou por valer aos mais adaptados. Houve relatos que recordaram passagens do "Ensaio sobre a Cegueira" de José Saramago. E ainda mais terrível é que se vão multiplicando as situações quotidianas que evocam as reflexões daquele romance magistral do nosso Nobel da Literatura: "Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."

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