sexta-feira, 17 de agosto de 2012

“Os pássaros quando morrem caem no céu.” (José Gomes Ferreira)


Há 50 anos, na Lombada da Ponta do Sol, um grupo de gente anónima empenhava-se, com determinação e coragem, numa luta justa pelo direito à água. Durante longas semanas, o povo uniu-se e enfrentou a máquina poderosa e violenta da ditadura fascista de Salazar, resistindo ao terror que os seus esbirros semearam. Com dignidade afirmaram a justiça da sua causa enfrentando as duras humilhações ditadas pelo poder.
Serve esta evocação da nossa História, para agitar estes tempos de conformismo e desalento em que somos vencidos pelo medo, esse inimigo mais forte e pelas nossas próprias indecisões, o maior obstáculo como dizia Cervantes. Vamos sofrendo perante o alastramento de uma pobreza que dá milhões a ganhar a uns poucos poderosos, vamos ganhando uma raiva surda perante a imoralidade das injustiças impostas pelo poder e vamos chorando os que tombam por lhes ver negada a dignidade. Estes absurdos vão criando a solidariedade, por isso, só nos falta a convicção da nossa causa comum. Como há 50 anos na Lombada da Ponta do Sol, precisamos de acreditar na justiça da nossa razão. Temos ou não temos razão quando exigimos trabalho com dignidade e direitos? Quando queremos mais e melhor Educação e mais e melhor Saúde? Quando exigimos protecção e segurança social? Quando exigimos o fim das mordomias dos poderosos e uma repartição equitativa da riqueza gerada por todos? Sim, temos razão.
Aquele povo deixou-nos uma lição fundamental, a de que a certeza da justiça de uma causa derruba todos os obstáculos e derrota os piores inimigos, sobretudo, porque nos torna poderosos. A Revolta da Água em 1962 tornou-se no testemunho de que a justiça e a solidariedade mudam o mundo, devagarinho e às vezes com muito sofrimento como aconteceu então, mas mudam-no, irremediavelmente e sempre, para melhor.

Nota: Um obrigada especial ao blogue "Clarear" pela belíssima fotografia.

sábado, 4 de agosto de 2012

No melhor e no pior: as Fundações

O governo resolveu fazer de conta de que está surpreendido com o "negócio" das Fundações. Finalmente, apurou-se (mais ou menos!) o valor das contribuições do Estado para algumas instituições que todos sabíamos, há muito, servirem apenas como mais um instrumento de malabarismo fiscal. Quem é que, no domínio do seu perfeito discernimento, poderia acreditar nas causas filantrópicas de Fundações como a de Luís Figo, a de Joe Berardo  e a da Casa de Bragança?! Mas, mais uma vez, com a ajuda de alguns órgãos de comunicação social, tudo se mistura de forma deliberada para que se confundam causas justas e instituições credíveis com os "eternos" mecanismos de clientelismo, suborno, corrupção e oportunismo que a Revolução e a Democracia não conseguiram destruir por completo. O mesmo poder hipócrita, corrupto e imoral da ditadura continua a fazer escola e a manter-se por força da atávica apatia da maioria dos portugueses.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Pela dignidade do direito ao trabalho


Esta semana foi publicado o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “Crise do Emprego na Zona Euro: tendências e respostas políticas”, nele se reafirmam propostas para a resolução do gravíssimo problema que os países da zona euro atravessam e cuja tendência, se nada for feito para atalhar este caminho a que nos conduzem as opções neoliberais dos governos europeus compostos por marionetas da troika, nos levará a um futuro negro de milhões de excluídos pelo desemprego de longa duração, a uma percentagem catastrófica de 32% de desempregados em idade activa, à precarização/”escravização” do trabalho dos mais jovens, a salários de miséria e à completa perda de garantias de protecção social.
As propostas da OIT são concretas e perfeitamente exequíveis a curto prazo, insistem na resposta urgente de criação de emprego na convicção de que a redução de salários, o desemprego, a precariedade e a insegurança não são consequências da crise mas sim a sua “matéria-prima”.
O trabalho com direitos é o fundamento estruturante das sociedades democráticas sendo o seu primeiro lugar de socialização porque os valores recebidos da família e na escola orientam e preparam para a integração no mundo do trabalho. O trabalho com direitos convoca à participação cívica e política porque promove os valores da motivação, dignidade e responsabilização. O trabalho com direitos é o motor fundamental do crescimento económico porque o salário não é entendido como um custo mas como o alicerce da dinamização da economia e como o elemento estruturante de distribuição de riqueza.
Só seremos capazes de fazer frente a este retrocesso civilizacional se recuperarmos o valor fundamental da democracia que é o trabalho com direitos. Esta foi a extraordinária lição de cidadania que esta semana os mineiros espanhóis nos deram, por isso, sigamos-lhes os passos e lutemos pela dignidade do nosso direito ao trabalho.

domingo, 17 de junho de 2012

Hoje somos todos gregos


Hoje os cidadãos gregos, franceses e egípcios são convocados a eleições e escolherão pressionados entre a sua vontade de mudança e o terrorismo do discurso do poder sobre o caos. São chamados a dar voz a uma nova síntese que, no processo dialéctico que é a História, poderá representar uma nova alternativa ou, então, se continuarem a vencer os que já estão no poder, apenas o arrastar da actual conjuntura de crise até ao, muito previsível, colapso à escala global. Gregos, franceses e egípcios estão hoje entre o medo e a esperança, entre o imobilismo e a coragem, entre a resignação e a responsabilidade.
As semelhanças, infelizmente dramáticas, entre Portugal e a Grécia, devem fazer-nos espectatores atentos sobre o que está a acontecer naquele país. Lá como cá, ao longo dos anos de adesão à União Europeia, fomos recebendo fundos sob a capa das boas intenções para remediar o enorme atraso que tínhamos em relação ao resto da Europa mas o que esse caudal de dinheiro serviu, e todos o sabiam, foi para alimentar, despudoradamente, uma elite posta no poder pela questionável legitimidade democrática da abstenção. Lá como cá, os que se juntaram aos partidos que, rotativamente, estiveram e estão no poder, fizeram fortunas pessoais e dispuseram-se a cumprir as ordens das grandes empresas e da banca que não têm pátria nem moral e que por isso, se “dão nas tintas” para impostos e contributos para o crescimento económico (vivem e promovem zonas francas e paraísos fiscais). Lá como cá, todos sabiam que o sistema imporia um dia, a cobrança da dívida e lá como cá, todos sabiam que os únicos que a iriam pagar, seriam os que muito pouco ganharam. Lá como cá, a estratégia da União Europeia e os seus chefes (FMI e Banco Mundial) foi criar o monstro do buraco orçamental e do escândalo da dívida externa. Lá como cá, apareceram como “virgens ofendidas”, organizadas numa “troika” que suga a dignidade de cada português e de cada grego que vive do seu trabalho. Lá como cá, agem como terroristas que espalham o medo reprimindo pela fome e pelo sofrimento os que foram enganados tentando que não usem o seu direito inalienável de escolha de um novo rumo. Lá como cá, temos de convictamente unir forças para a mudança que tem de ser já hoje.

sábado, 9 de junho de 2012

À Camila

O JN de hoje dá conta de uma luta pela dignidade levada a cabo pelos pais da pequena Camila (aqui). Aqui fica o belíssimo poema que o pai, Carlos Sanchéz, escreveu em plena batalha pelo direito a dar à filha uma morte digna.


Camila não fala, mas diz.
Camila não olha, mas faz ver.
Camila não chora, mas faz correr lágrimas.
Camila não ri, mas valoriza a alegria.
Camila não pensa, mas ensina.
Camila não suspira, mas dá-nos alento.
Camila não ama, mas apaixona-nos.
Camila não se move, mas mobiliza.
Camila não mostra, mas nada oculta.
Camila não reclama, mas sabe resistir.
Camila não saboreia, mas é doce.
Camila não pisca, mas abre-nos os olhos.
Camila não ouve, mas escuta-nos.
Camila não trabalha, mas dignifica.
Camila não anda, mas abre caminhos.
Camila não decide, mas invoca decisões.
Camila não escreve, mas educa.
Camila não brinca, mas é uma menina.
Camila não agirá, mas comove.
Camila não cresce, mas dá corpo à esperança.
Camila não dorme, mas desperta-nos.
Camila não respira, mas purifica o ar.
Camila não ama, mas desarma corações.
Camila não condena, nas fará justiça.
Camila não come, mas alimenta almas.
Camila não grita, mas derrota a surdez.
Camila não recorda, mas tem futuro.
Camila não acusa, mas perdoa-os.
Camila não salta, mas derrubará icebergues.
Camila não procura, mas sempre nos encontra.
Camila não bebe, mas cala a sede.
Camila não reza, mas prega.
Camila não abraça, mas abrange-nos.
Camila não canta, mas é música.
Camila não cala, mas silencia.
Camila não pinta, mas tudo ilumina.
Camila não beija, mas aceita todos os beijos.
Camila não pode ser julgada, porque é um anjo.
E os anjos pertencem a Deus.

sábado, 2 de junho de 2012

Sintomas de uma cidadania gravemente doente

A entrevista publicada hoje no DN-Madeira do jovem deputado e ex-líder da JSD pode vir a tornar-se no melhor dos exemplos do que é a mais completa perversão dos valores da democracia e do exercício da cidadania. Podemos começar por dizer que há ali, pelo menos, uma enorme deformação educacional que resultará de vivências prematuras num ambiente pouco saudável mas, se isso já de si é grave do ponto de vista humano, é muitíssimo mais grave do ponto de vista do seu significado político e social porque aquele jovem integra um colectivo partidário, assumiu até há pouco a liderança de uma juventude partidária que recrutou e continua a recrutar, centenas de jovens madeirenses e vai continuar a desempenhar funções em nome daquilo que se designa na Constituição da República por "vontade popular", por isso, é muito grave quando ele se justifica em termos que têm por fundamento uma concepção de poder delegado por condição de nascimento ou por determinação "superior". Aquele deputado (provavelmente à semelhança dos que o "criaram" e rodeiam na sua bancada parlamentar) entende-se como uma criatura acima da lei, confessando julgar-se digno de uma impunidade própria dos imbecis ou dos psicopatas. É grave e inquietante.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

"Reflexaozinha"

Às vezes fico com a impressão que há assim uma espécie de dois grandes grupos em que podemos dividir os portugueses: os que esperam pelo D. Sebastião e os que se acham o D. Sebastião. Para esta "brilhante" reflexão acabo por só encontrar uma imagem para a ilustrar, a do cão neurótico que corre furiosamente atrás da sua própria cauda.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Prós e Contras da RTP 1 - o meu modesto balanço

Não faço ideia quem são os "prós" e quem são os "contras" porque há sempre um problema de definição clara do que se está a discutir. Logo aqui se manifesta a fragilidade profissional da apresentadora/pseudo-jornalista que é responsável pela condução do programa. A senhora configura uma das associações mais dramáticas: falta de inteligência, arrogância e "lambebotismo" ao poder mas adiante...Perante o figurino do programa há uma coisa que sei: neste momento,de um lado está uma esquerda esclarecida e proponente representada por o líder PCP e deputado da AR e um professor universitário, do outro tem duas eminências pardas do PSD, daquela estirpe que  amiúde é chamadas à comunicação social para "vomitar" o pensamento único, ideologicamente neo-liberal, do regime instituído que com a legitimidade democrática de uma minoria que foi votar, serve os interesses das grandes empresas e do capital financeiro que, como todos sabemos, não tem pátria. Oiço propostas de solução bem concretas do lado de Avelãs Nunes e de Jerónimo de Sousa e ainda não consegui perceber, para além da receita da austeridade (que, de resto, os "preocupa" muito!) que soluções tem o PSD para combater o desemprego e fazer crescer a economia!  Agora a tirada patriótica de Rui Manchete, foi a cereja em cima do bolo: demagogia e hipocrisia eram perfeitamente dispensáveis!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Alexandre Soares dos Santos: a imoralidade não tem limites!

Alexandre Soares dos Santos "oficializou" uma nova era: a do vale mesmo tudo! Não é que já não tenhamos assistido em actos, palavras e decisões da parte do poder e dos patrões, à completa ausência de respeito pela dignidade do trabalho e dos trabalhadores mas a notícia avançada, hoje, (AQUI) sobre a atribuição de 500% sobre o valor da retribuição diária, acrescida da oportunidade de comprar com 50% de desconto nos supermercados da rede, é uma canalhice que, de tão rasteira, deixa qualquer um que vive honestamente do seu trabalho, refém das circunstâncias. O patrão do Pingo Doce compra, assim, bem barato, o direito que devia ser inalienável numa sociedade justa, ao trabalho com dignidade e direitos. O que esteve em causa, ao contrário do que se tentou fazer crer, não foram quaisquer direitos dos consumidores ou dos fornecedores/produtores da cadeia mas sim, a pressão exercida sobre os trabalhadores para que não reivindicassem o direito consagrado na lei, ao feriado do 1º de Maio. Com esta estratégia torpe, Soares dos Santos consegue por trabalhadores contra trabalhadores, o que mais do que uma vitória do poder, é uma derrota dos valores básicos de uma sociedade democrática, os que fundamentam a dignidade de quem vive do rendimento do seu trabalho.